- Zé, hoje a noite vai ser legal, não vai?
- Mas eu não vou poder brincar.
- Por quê?
- Tenho que dormir mais cedo...
- Logo hoje, você vai dormir cedo!
- É que amanhã eu vou pescar.
- Ah, Zé! Só por isso? Amanhã...
- Eu vou acordar madrugada, Tonho; bem antes de o galo cantar!
- Por que tão cedo assim?
- Para ascender o fogo, ferver a água, passar o café...
- O café é você quem faz?
- Nessas horas, sim; e tomo com o que minha mãe prepara.
- E por que ela não faz o café, também?
- A comida ela cozinha à noite, depois da janta:
- O quê?
- Batata-doce, aipim, cuscuz, bolo de puba...
- Tudo isso?
- Não: uma coisa ou outra.
- Ah, bom!
- Não é certo: às vezes de tão cansada ela nem faz nada!
- E aí?
- Eu como a sobra da ceia!
- Mas logo hoje, Zé, você vai não vai brincar!
- Tenho que levantar cedo, Tonho, não posso acordar minha mãe!
- E por que não?
- Ela sempre fica exausta depois da lida, lá na roça!
- E o que ela tanto faz por lá?
- Capina, planta, coivara... Essas coisas.
- Mas que hora mesmo, você vai sair de casa?
- Logo no primeiro cantar do galo.
- Cedão assim?!
- Você sabe; a maré nunca espera.
- Mas é muito cedo, Zé!
- Eu sei. Nesta hora, eu já tenho que estar pronto!
- Pronto, como?
- Com a tarrafa, a capanga, o chapéu e minha faca.
- E a lanterna?
- Não tenho, mas nem é preciso; a Lua clareia a estrada!
- Ainda assim é bom ter uma!
- Quando tiver dinheiro, minha mãe vai me dar.
- É bom mesmo! No caminho deve ter cobra.
- Cobra não incomoda.
- Ah, não!
- Com a nossa presença, elas se afastam!
- Tem, ainda, cansanção, mandacaru...
- É por causa disso mesmo que minha mãe vai comprar.
- Existem muitos espinhos até a costa!
- Mas hoje, madrugada tá tudo claro!
- Ih! Lua-cheia; noite de Lobisomem passear!
- Poxa, Tonho! Você tinha que lembrar?
- Ah, disso você tem medo, né!
- Tenho. Mas minha mãe diz e garante que depois que o galo canta nenhum bicho amaldiçoado vaga!
- A minha, também fala isso, e você acredita?
- Acredito! Você não?
- Eu não! Nem você! Por que tem medo, então?
- Nunca se sabe, né?
- E se aparecer algum, o que você faz?
- Corro!
- E se não der pra correr?...
- Aí, então, eu uso a faca!
- Zé, melhor mesmo é a gente brincar, a noite vai estar linda!
- Mas pra amanhã, em casa não tem comida!
- Não tem nada?
- Só farinha, feijão, maxixe e quiabo!
- Lá em casa ainda tem peixe.
- Lá, tem seu pai. É ele quem pesca.
- Às vezes eu vou também, só de dia, se eu não tiver aula!
- Por isso você pode brincar.
- Você não sabe o que vai perder Zé, nesta noite enluarada!
- Eu sei. Mas eu tenho três irmãos pequenos, Tonho, e só temos nossa mãe, sem dinheiro e muito cansada.
- Amanhã, também, nem vai poder ir à escola, não é?
- É; acho que não. Vou chegar tarde e enfadado.
- Viu! Não vai à escola, nem também pode brincar!
- Mas um dia tudo vai mudar!
- Vai? Quem disse?
- Minha mãe!
- As mães dizem sempre qualquer coisa para nos confortar.
- A minha não promete pra faltar!
- Eu tenho doze anos e você?
- Onze, por quê?
- Você vai ouvir isso até casar.
- Não vou não! “Deus ajuda a quem cedo madruga”!
- Bobagem! Minha mãe também fala essa tolice quando papai sai pra labuta!
- Ah! Você é quem não sabe de nada!
- Sei sim, que hoje vou me divertir muito com a garotada!
- Até amanhã, Antônio!
- Por que até amanhã? E o futebol da tarde? Você não vai jogar?
- Hoje não. Tenho que estudar; amanhã posso não ir à escola, e sem estudo não se consegue nada.
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