Certa noite, quando estávamos todos esperando que algum peixe se interessasse pelas iscas, alguém relembra, com visível saudade, as festas, os bailes, as músicas: Elvis Presley, Beatles, Bread, Genesis, Bee Gees, The Mamas and the Papas, Lobo, Cat Stevens, Trini Lopez; Renato e Seus blue Caps, Golden Boys, The Pop’s, Os Fevers, Trio Melodia, Trio Esperança, Leno e Lilian, Deny e Dino, Os Vips, Erasmo, Roberto, Sergio Reis, Jerry, Demétrius, Eduardo Araújo, Wanderley Cardoso, Antonio Marcos, Ronnie Von, Reginaldo Rossi, Rosemary, Wanderléa, Vanusa, Martinha, Silvinha, Celly Campello, Kátia Cilene, mais ainda, os percussores da Bossa Nova; o Papa João Gilberto, Caetano, Gil, Edu Lobo, Carlos Lira, Geraldo Vandré, Chico, Toquinho, Tom, Vinícius, Jorge Bem, MPB4 e muitas outras estrelas do mundo da música de uma era jamais esquecida: anos 60 e 70!
Querendo sobrevoar mais ainda por aqueles Anos Dourados, outro pede para cada qual garimpar e exibir uma joia marcante daqueles tempos.
Então eu lhes confessei que estava fora, por não ser daquela época, nem ter vivido, ainda, o suficiente para arquivar momentos inesquecíveis! Entretanto, poderia citar algum dos muitos, que meu avô havia me confidenciado, caso lhes interessasse...Caíram em gargalhadas!
- Não estou entendendo esses risos! - reclamei.
Ignorando tudo aquilo, um deles abaixou a cabeça e disse, sem esconder a melancolia:
- Ninguém imagina o quanto me faz feliz as noites que passo aqui pescando com vocês.
Não entendendo aquela confissão com tanto pesar, dissemos a ele que assim, também, nos sentíamos: felicíssimos em estarmos juntos, embora, periodicamente.
Aproveitando aquela declaração espontânea, pedimos-lhe para ser o primeiro a apresentar a folha do papiro onde, certamente, ele transcrevera algum pedaço da sua vida.
Sem questionar, cabisbaixo, disse que ainda jovem foi ao aniversário do melhor amigo. Festa com muita comida regada a coca cola, cuba libe e limão. Renato e Seus Blue Caps, Os Fevers, The Pop’s, Golden Boys, na vitrola, animavam o baile.
Madrugada, final da festa, ia saindo, quando o aniversariante o chamou, pedindo para ele desembrulhar seus presentes, alegando estar muito cansado. Vendo seu estado de embriaguez, o parceiro ainda o aconselhou deixar para ver aquilo, quando se sentisse mais disposto. Mas, o anfitrião insistiu:
- Quero ver, agora, o que os otários me trouxeram de presente!
Disse já deitado na cama.
Tarefa cumprido, o aniversariante vira-se para o amigo:
- A gente investe uma grana e veja: cueca, meia, fita cassete, disco... e compacto ainda! Nenhum de Elvis, Beatles...
Naquela época era difícil se comprar qualquer produto importado; um disco que fosse! O parceiro tinha levado, com a devida dedicatória na capa, um LP, intitulado “Um Embalo Com Renato e Seus Blue Caps”; recém lançado pelos cinco rapazes, que ele achou prudente não mostrá-lo ao amigo, naquele momento, após ouvir tanta arrogância.
- E qual foi o seu? Não vai me dizer que me trouxe cueca, também?
- Infelizmente, hoje, só lhe trouxe no “embalo” um abraço amigo, que vale por cinco!
- Até você que eu considero meu irmão! Te manda também! Pode ir! Xô!
Dois dias, depois ele apareceu, dizendo-se envergonhado, pedindo mil desculpas.
No aniversario seguinte o parceiro disse que chegou bem cedo à casa do amigo, sabendo que ele nem a irmã estavam. Entregou, então, o presente a uma das empregadas.
No outro dia, bem cedo, a namorada lhe procurou querendo saber por que ele não tinha ido procurá-la, e o que havia no presente, que ele dera ao irmão!
- Você não ia entender. Quanto ao presente, nada de mais, além das canções de Elvis, e minha dedicatória na capa! Você deve ter visto!
- Ele não deixou, sequer, a gente ver! O que você escreveu?
- “Muito me custou encontrar um presente capaz de substituir minha presença na festa de aniversário do meu melhor amigo. Parabéns pelos seus 16 anos!...”. Somente isso!
- Por que você fez essa dedicatória, e não me avisou que não ia me ver? Eu fiquei que nem uma boba te esperando até...!
Depois de explicar tudo que acontecera no último aniversário...
- Eu tinha certeza que você não ia concordar, e ainda ia me convencer a ficar na festa!
- Mas que festa? Não teve festa!
- Como não? Ele só falava do aniversário!
- Depois de desembrulhar o LP, pediu pra a gente avisar aos convidados que não ia haver mais nenhuma festa. E que não aceitasse nenhum presente!
- Ele só pode ter ficado tantã!
- Disse que estava com muita dor de cabeça. Só recebeu a namorada! Pegou a vitrola, trancou-se no quarto com ela e Elvis Presley cantando, até... sei lá que horas!
- Elaine não lhe contou nada, depois?
- Ainda não estive com ela.
O companheiro confessou que se arrependeu amargamente por não tê-lo perdoado. Muito pelo amigo, que tantas vezes lhe provou ser o melhor, mais ainda por Denise: garota lindíssima, inteligente, maravilhosa, compreensiva...! Tudo por causa de um orgulho idiota.
Ele garantiu que a namorada muito lhe rogava para perdoar ao irmão, sem ele dar a mínima às suas suplicas.
- Mas ele me chamou de otário e me enxotou de sua casa! Amigo verdadeiro jamais faz coisas assim!
- Estava bêbado; perdoa meu irmão, vai! Ele vive dizendo para nossos pais que você é o irmão que eles não lhe deram. Eu só não ligo porque sei o quanto me ama. Ele sempre quis ter um Irmão. Você é isto para ele, e eu gosto disso, porque amo você!
- Mas ele só faz bobagens em festas! Já pedi várias vezes para ele não beber. Muito menos curtir com a cara dos nossos amigos pobres, como eu! Isso me chateia! Mas, ele não aprende!
Ele só deixou esta mania de riquinho besta, no exército, quando serviu. Mas, logo depois, o pai abriu uma filial de sua empresa em outro estado e eles se mudaram. Ainda assim, Denise e o nosso parceiro ficaram se correspondendo por carta. Mas...
- Éramos jovens inexperientes: ela rica eu pobre. A distância juntou tudo isso e construiu uma muralha entre mim e Denise. Não sabia como transpô-la. O tempo bem tentou me ajudar: amadureci, mas, continuei pobre e inseguro. Hoje, velho, além de pobre, sinto-me um fraco, porque ainda não consigo esconder dos amigos a saudade dela, se alguém ou alguma coisa me traz daqueles dias.
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