Corre o ano de 2009. Curitiba anda em silêncio. Exageradamente envelhecido, o antigo e arrogante líder, o outrora poderoso absoluto caminha pela Rua das Flores. Aborda os transeuntes, na tentativa de que se disponham a aceitar sua proposta. São papéis mal recortados por mãos trêmulas, impressos numa obsoleta matricial que encontrara, certa vez, na Rua Marechal Floriano. Numa lixeira. Na esquina com a Avenida Barão do Rio Branco, face ao silêncio sistemático dos passantes, senta-se na sarjeta. Arrasado. Com um pequeno galho seco juntado ali perto, cabisbaixo e derrotado, remexe os ciscos perdidos em sua perdida divagação pelas fímbrias de lembranças principescas. Os transeuntes, num uníssono silêncio, parecem dizer: “Sai pra lá, cara! Você já teve sua chance. Cai fora!”. Ouve e se cala. Submisso. Mas insiste... Pateticamente... Numa saída de fábrica da Cidade Industrial, empoleirado num pedestal improvisado, o mais importante ex-companheiro, agora mal escanhoado, expulso de todas as instâncias, pronuncia, sozinho, o mesmo e surrado discurso que empolgara os trabalhadores por muito tempo, o povo por outro tanto. É a única oração que conhece e que agora provoca apenas um silencioso riso irônico de quem sai ou chega para a troca de turno. Ele insiste! Pobre coitado! Desce do caixote e corre atrás de um, depois de outro, querendo se explicar, dizer que agora tudo será diferente... É apenas um histrião abobalhado! Volta ao caixote e continua sua fala para multidões imaginárias. Em resposta, apenas silêncio! Na escolinha do bairro Sítio Cercado, se aproxima o homem de antigas grandes fortunas. Bate delicadamente. O porteiro o reconhece, apesar da barba ausente. Atende-o calado. Nasce um sorriso de esperança: quer uma vaga, deseja lecionar matemática. Mas a porta se fecha sem educação. Vira-se desolado. Displicente, desce os degraus, arrastando as chinelas gastas. As derrotas antigas buscam lágrimas interrompidas para as novas derrotas . Engole-as. No pátio, a meninada assiste à cena e ri. Ri despudoradamente, mas ri sem um único som. Ri sem piedade. Ri tristemente. Nas casas, o silêncio de perplexidade dura e perdura. No povo, teima em não arrefecer, ano após ano, o silêncio do estarrecimento e do choque. Da decepção. João vai até a pequena área nos fundos da casa. Vê o sol se pondo. Seus olhos se perdem no minucioso exame do vermelho-fogo. Sabe que, em breve, as estrelas prateadas estarão presentes. Maria se achega de mansinho. Ele sente o toque delicado em seu ombro. Vira-se. Com mão calejada, acaricia a enorme e orgulhosa barriga de Maria. Ele vai nascer... Depois do pôr-do-sol. Outros tantos estão nascendo. Finalmente, o choro coletivo das crianças novas quebrará o silêncio.
Airo Zamoner é autor do romance “Os Egmons”
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